Revista Cães e Cia, n. 327, agosto de 2006
Diversos fatores podem influenciar o modo como um cão age. Saiba quais sãoRaça ou criação?
A pergunta que mais ouço é: o que determina o comportamento de um cão? A raça ou o modo de criá-lo? A resposta quase sempre frustra porque não é simples. As pessoas gostariam que ela fosse simples e, de preferência, que confirmasse o que pensam. Mas a tentativa de simplificá-la demais pode resultar em preconceitos relacionados com o comportamento das pessoas ou das raças de cães.
Temperamento
Podemos dizer que o temperamento reflete a maneira como o cão sente as coisas. Reações como medo, curiosidade e agressividade diante de um estranho são influenciadas pelo temperamento. Um cão medroso, por exemplo, tenderá a se encolher diante de situações novas ou que considere perigosas. A partir de uma pequena diferença de temperamento, podem ser desenvolvidos comportamentos completamente distintos.
Entre dois cães que têm medo de outros cães, um poderá ficar mais medroso se nunca interagir com exemplares da espécie e o outro poderá, aos poucos, perder a fobia caso passe por experiências positivas. Da mesma forma, se dois cães ficarem atrás de um portão em ocasiões diferentes, o mais agressivo poderá se sentir provocado pelos passantes que se assustam ao vê-lo, enquanto o mais dócil poderá receber carinho dessas pessoas. Com o tempo, as diferenças entre os dois ficarão mais evidentes. Um se tornará bem agressivo e o outro, bastante dócil.
Tipos de temperamento
O maior estudo que conheço sobre a classificação de cães por tipos de temperamento levou em consideração mais de 15.000 exemplares. Foram determinadas as seguintes classes: brincalhões, curiosos ou medrosos, interessados em perseguir coisas, sociáveis e agressivos.
De acordo com as classes de temperamento nas quais um cão se enquadra, é possível saber como ele se comportará diante de estímulos. Por exemplo, um cão brincalhão e medroso brincará quando estiver em lugar conhecido, mas ficará acuado em ambiente desconhecido.
Efeitos da raça
Na média, cães de raças diferentes podem ter comportamentos distintos. Muitos mais Labradores correm atrás de bolinhas do que Akitas. Por quê? Porque, na média, correr atrás de objetos é mais típico do temperamento dos Labradores. Goldens Retrievers costumam ser mais sociáveis com estranhos do que Rottweilers. Portanto, a raça à qual o cão pertence pode ter, sim, influência no comportamento.
Mas há muitas exceções. Sempre que definimos o temperamento de uma raça, devemos ter em mente que é na média. Em nenhuma raça todos os indivíduos têm o mesmo temperamento. Rottweilers mansos e Goldens Retrievers agressivos não são tão raros quanto se costuma imaginar.
Educação e ambiente
Não devemos subestimar o poder do ambiente sobre o comportamento dos animais. Um cão pode aprender a controlar o temperamento agressivo ao receber educação. O exemplar de temperamento medroso pode deixar de temer gente se tiver contato com muitas pessoas de maneira correta e se as associar a coisas boas. É possível mudar com facilidade alguns comportamentos pela educação, mas outros são dificílimos de alterar. Transformar em corajoso um cão com temperamento medroso, quando possível, exige muito trabalho.
Quanto antes se percebe como é o temperamento de um cão, tanto maiores as chances de controlar sua influência sobre o comportamento dele. Essa avaliação, em conjunto com a adoção de um programa específico de adestramento, pode ajudar a evitar problemas futuros para o cão e para a família.
Função original
Parece óbvio que cães de guarda sejam mais agressivos e que cães de caça gostem de perseguir coisas, por exemplo. Mas, por mais estranho que possa parecer, não é o que demonstram os estudos recentes sobre comportamento. Ou seja, dizer que uma raça tem este ou aquele temperamento por causa do grupo em que está inserida -- guarda, caça, etc. --, já era! A explicação mais plausível é que, nas últimas décadas, a seleção artificial feita pelo ser humano modificou muitas aptidões originais de raças. Como exemplo, podemos citar Dobermanns guias de cego nos Estados Unidos, função na qual o cão não pode demonstrar nenhuma agressividade, apesar de o Dobermann ter sido desenvolvido inicialmente para atuar na guarda.